Ecclesia reformata et semper reformanda est.
Criado pelo teólogo Gisbertus Voetius (1589-1676) durante o Sínodo de Dort, o lema "Igreja reformada está sempre se reformando" não serve como justificativa para invenções ou arbitrariedades. Voetius, reformado holandês, expressou a necessidade contínua da igreja de revisar sua lealdade aos princípios da reforma. A máxima funciona como um alerta de que, eventualmente, a igreja pode sofrer de amnésia espiritual, distanciando-se da mensagem que a mantém em pé.
As "Cinco Solas" — cinco ênfases do cristianismo bíblico e histórico — lembram e reafirmam o compromisso com a fé apostólica. Quando os reformadores perceberam o desvio do cristianismo medieval, se uniram para reafirmar esses princípios e corrigir os rumos da fé cristã.
Ao comemorarmos o Dia da Reforma, sentimos a necessidade dessa ênfase! Uma igreja evangélica que se evangeliza para evangelizar. Parece clichê, mas o movimento evangélico continua carente de pregadores corajosos, leais às Escrituras e à mensagem do Evangelho da graça, centrado em Cristo e a serviço da glória de Deus.
Em tempos em que Cristo é instrumentalizado, mas não afirmado como Senhor, anseia-se por um cristianismo enraizado nas Escrituras, fiel ao que Deus nos transmitiu pelos profetas e apóstolos, e situado na história. Nossa grande vantagem pode ser estarmos “sobre ombros de gigantes”.
Os reformados ensinam que o arbítrio pertence a Deus, e a vontade humana é relativa à vontade soberana dEle. Rejeitam a oferta humanista e iluminista de liberdade e autonomia que sugerem uma independência enganosa, similar à tentação do Éden.
No cristianismo reformado, a queda foi tão radical que afetou profundamente a capacidade do ser humano de buscar Deus por si só. O estado de exílio e inimizade em que o homem se encontra exige que Deus tome a iniciativa. A teologia reformada reforça a centralidade de Cristo e seu senhorio, destacando que o reinado de Cristo abrange todos os aspectos do mundo e da vida.
Ser reformado não é meramente seguir uma confissão denominacional, mas adotar um estilo de vida orientado pelos cinco princípios da reforma: graça, fé, Cristo, Escrituras e a glória de Deus. Esses princípios, mais do que dogmas, são referências fundamentais para um estilo de vida cristão, frequentemente esquecidos na prática da Igreja. Retomá-los plenamente seria restaurar a reforma, a fé apostólica original, e ver a Igreja florescer novamente em gratidão, boas obras e testemunho público.
Na graça, o reformado vê a vida como dádiva: cada minuto é tecido sob os decretos amorosos de Deus. Todo ato bem feito e boa obra procedem dEle, e a salvação, regeneração, conversão, justificação, santificação e fé são frutos de Sua graça, sem condições no homem. Deus age no ser humano, despertando o “querer e o efetuar” (Fp 2:13). O Evangelho evidencia que a justificação e santificação vêm pela graça mediante a fé, revelando a glória de Deus (Ef 2:9).
Pela fé, um cristão une-se a Jesus. Por meio dela, encontra-se em unidade com o Filho de Deus, confiando no amor do Pai. Sabendo-se pecador, o cristão reformado reconhece que só pode ser aceito por Deus estando em Cristo. Fora de Cristo, resta apenas viver sob a "ira de Deus" (Rm 1:18) contra o pecado da humanidade.
Com a mesma fé, compartilha-se de uma grande comunidade (Hb 11) que viveu pela fé, confiando nos planos divinos. Na fé em Cristo, o cristão é adotado e, como filho, recebe uma graça que o educa até a glorificação.
Para o cristão reformado, somente Cristo revela o Pai (Jo 1:18). Cristo é o Ungido, o Verbo, para quem e por quem todas as coisas foram criadas (Jo 1:3; Cl 1:16). Em sua humilhação, morte e ressurreição, inaugura uma nova criação. Unidos a Ele, somos "recriados" (Ef 2:10) e uma nova humanidade surge para a glória de Deus. A Igreja, renovada em Cristo, manifesta-se visivelmente por meio de cristãos regenerados e pela comunidade que se reúne ao redor da Palavra e da ceia.
Um cristão reformado reconhece nas Escrituras um guia suficiente para sua jornada. Nelas encontra "palavras de vida eterna" e uma fonte de sabedoria ética que ilumina sua relação com Deus, o próximo e a criação. "Sola Scriptura" (somente as Escrituras) não rejeita o acúmulo teológico da Igreja, mas reafirma que este deve se submeter à autoridade das Escrituras.
Graça, fé, Cristo e Escrituras se articulam organicamente para conduzir o cristão a uma vida que glorifique a Deus. A missão e a alegria do cristão estão em tornar Deus conhecido e reconhecido, de modo que qualquer ato cultural ou laboral aponte para Deus.
O cristianismo reformado visa não apenas a reforma da Igreja, mas também da cultura, da sociedade e das áreas do conhecimento. Leis de Deus servem de princípio para que o salvo viva submisso a Ele. Cristãos reformados rejeitam a heresia de Marcião e afirmam que o Deus criador é o mesmo salvador, mantendo uma ortodoxia bíblica.
Ser cristão reformado não significa arrogância ou facciosidade, mas viver em união com Cristo pela fé, na graça, conforme as Escrituras e para a glória de Deus.
Concluímos que, em tempos de crise, a Igreja Evangélica no Brasil precisa urgentemente de uma reforma interna. Comunidades alinhadas com a vontade de Deus, em ortodoxia, ortopraxia e ortopatia, devem reformar a Igreja, a criação e a cultura. Todos os grandes avivamentos ocorreram em momentos de crise e se fortaleceram ao reafirmar os cinco princípios mencionados. Que Deus, nesses dias de rememoração da reforma, nos chame para uma vida cristã que se renova em Jesus Cristo.
"Lembra-te, pois, de onde caíste, arrepende-te e volta à prática das primeiras obras." (Ap 2:5)
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